BPC

Top 3 decisões de BPC LOAS

Algumas decisões judiciais são verdadeiras aulas de Direito, não é mesmo?. Quando se trata de decisões judiciais acerca do reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada, a decisão ideal é aquela que faz jus à finalidade substancial do BPC: a garantia dos direitos sociais, como acesso à alimentação adequada, moradia, transporte, entre outros, de forma a compreender o caráter assistencial do benefício. Estou falando daquelas decisões que fazem o olho do advogado brilhar e são verdadeiras inspirações para o exercício da profissão.
 
Que eu amo o Benefício de Prestação Continuada não é novidade. Resolvi mostrar esse amor em forma de decisões judiciais. Separei 3 decisões incríveis de BPC LOAS que precisam ser compartilhadas. Vamos então ao Top 3 decisões de BPC LOAS.
 
 

 Top 3

 
No top 3 das decisões de BPC LOAS selecionei uma decisão recente que explica minuciosamente o requisito de miserabilidade exigido para acesso ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social. Vejamos:
 
PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. APELAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PRESENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A decisão ora agravada foi prolatada em consonância com o permissivo legal, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso. 2. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedaneada em jurisprudência consolidada do C. Superior […] 5.  Para efeito de concessão do benefício, a Lei nº 8.742/93 contém no § 3º do art. 20 a previsão do critério de verificação objetiva da condição de miserabilidade, considerando incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. 6. Ressalte-se que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADIN 1232-1-DF (DJ 01.06.2001), declarou constitucional o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Ressalte-se, outrossim, também com base nesse julgamento, os precedentes da Excelsa Corte em reclamações ajuizadas pelo INSS têm-se orientado no sentido de que (a) tal regra não impede que, no exame de cada caso concreto, o julgador faça uso de outros meios para aferir a miserabilidade do requerente do benefício e de sua família, exatamente para que o art. 203, V, da Constituição Federal se cumpra rigorosa, prioritária e inescusavelmente (Recl 3805-SP, Rel. Min.Cármen Lúcia, DJ 18.10.2005), bem como (b) o legislador pode estabelecer hipótese objetiva para o efeito de concessão do benefício assistencial, não sendo vedada a possibilidade de outras hipóteses, também mediante lei, razão pela qual plenamente possível a concessão do benefício assistencial com base em legislação superveniente à Lei nº 8.742/93, a qual não foi objeto da ADIN 1232-1-DF (Recl 4280-RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.08.2006). 7. Também a C. Corte Superior de Justiça, interpretando o referido dispositivo legal, ao apreciar o REsp nº 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, firmou entendimento de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo – previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 – não é o único parâmetro para se aferir a hipossuficiência da pessoa, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova. 8. Outrossim, ainda na aferição da hipossuficiência a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 1.355.052/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou compreensão no sentido de que “aplica-se  o  parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº  10.741/03),  por  analogia,  a  pedido de benefício assistencial feito   por   pessoa   com   deficiência  a  fim  de  que  benefício previdenciário  recebido  por  idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93″. 9. Ainda, quanto à inovação trazida pelo parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003, no tocante à condição de miserabilidade da família do necessitado da assistência social, já decidiu o Excelso Tribunal inocorrer violação ao inciso V do artigo 203 da Constituição da República ou à decisão proferida na ADIN nº 1.232-1-DF, a aplicação aos casos concretos do disposto supervenientemente pelo Estatuto do Idoso (artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003). Precedentes. 10. Nesse sentido aponta o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos Recursos Extraordinários nºs. 580.963/PR e 567.985/MT, nos quais prevaleceu o entendimento acerca da inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS) e do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ao fundamento de que o critério de ¼ do salário mínimo não esgota a aferição da miserabilidade, bem como que benefícios previdenciários de valor mínimo concedido a idosos ou benefício assistencial titularizados por pessoas com deficiência devem ser excluídos do cálculo da renda per capita familiar. 11. Cumpre consignar, ainda, que em consonância com o disposto no § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 9.720/98, para a divisão da renda familiar é considerado o número de pessoas, elencado no art. 16 da Lei nº 8.213/91, que vivam sob o mesmo teto, assim compreendido: o (a) cônjuge, o (a) companheiro (a), os pais, os filhos e irmãos não emancipados de qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos. 12. Com a edição da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que deu nova redação ao art. 16 da Lei nº 8.312/91, passou a compreender o núcleo familiar, para fins de cálculo da renda per capita: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. 12. No caso destes autos, a r. decisão ora recorrida deu parcial provimento à apelação da parte autora, para reformar a r. sentença e deferir a concessão do benefício assistencial desde o requerimento administrativo, por entender que restou comprovada a deficiência, assim como a condição de miserabilidade da parte autora. 13. Com relação à deficiência, objeto de irresignação da agravante, a perícia médica judicial  (ID 76356713) constatou que a parte autora é portadora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, diagnosticada há 10 anos, realiza acompanhamento e tratamento para a doença desde então. Constou, ainda, que a autora apresenta dificuldade para arrumar emprego por faltar várias vezes para fazer acompanhamento médico, pois sente muita sonolência/tontura por reação do medicamento. Consta do laudo que a falta de concentração, atenção e memória fraca, chamados distúrbios cognitivos, também podem estar associadas ao HIV e têm evolução bem variada. Dessa forma, considerando tratar-se de pessoa com baixo grau de instrução e qualificação profissional, portadora de doença debilitante, incurável e contagiosa, inafastável a incapacidade da parte autora para o desempenho de atividade remunerada que lhe garanta o sustento. Precedentes desta Colenda Corte Regional. 14. Quanto ao requisito econômico, o estudo social (ID 76356709), realizado pelo Oficial de Justiça através de Mandado de Constatação, dá a conhecer que a autora não tem meios de prover a própria subsistência e nem tê-la provida por sua família, dependendo do benefício assistencial para as necessidades básicas. […] 18. Agravo interno desprovido.”  (TRF-3 – ApCiv: 5822308-96.2019.4.03.9999, Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, Data de Julgamento: 24/03/2020, OITAVA TURMA, Data de Publicação: 27/03/2020)

Top 2

 
A decisão a seguir é sobre o critério de deficiência exigido pelo BPC. Destaca-se o conceito de deficiência e a importância da análise biopsicossocial para reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada. Trata-se de pessoa com HIV que requer o BPC para Pessoa com Deficiência, e a possibilidade de enquadramento do direito ao benefício e sua concessão.
 
O caso julgado em 2017 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4) ressalta a necessidade de verificar a limitação de atividade e restrição de participação decorrentes da estigmatização dessa doença. Deve ser reconhecido o direito ao BPC quando a pessoa com HIV, mesmo que assintomática, vivenciar o preconceito e a discriminação que, em interação com outros fatores, levam à obstrução de sua participação plena e efetiva na sociedade.
 
Nesta decisão vemos a importância de entender o conceito de deficiência e dominar o modelo biopsicossocial da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). Além disso, ficou evidente a necessidade de análise do contexto vivenciado por cada indivíduo para verificação da deficiência. Vale a pena a leitura:

CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. DIREITO DE IGUALDADE. PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS. SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. DIFERIMENTO. CUSTAS PROCESSUAIS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 2. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, “dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades” e restrições de participação, por sua vez, são “problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida”. 3. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades. 4. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS. 5. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício. 6. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a) intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d) manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais intermediários. 7. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não. 8. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do “diferente” (soropositivo assintomático); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com hiv, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do “diferente” (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto). 9. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. 10. Preenchidos os requisitos no caso em apreço, é de ser concedido o benefício pleiteado. […] (TRF-4 – AC: 23647320174049999 RS 0002364-73.2017.404.9999, Relator: FRANCISCO DONIZETE GOMES, Data de Julgamento: 30/05/2017, QUINTA TURMA)

 

Top 1

 
A decisão que recebeu o 1º lugar na lista de decisões incríveis de BPC é de 2018 e foi proferida pelo Juiz Otavio Port. Chama a atenção por ser uma decisão completa, visto que aborda todos os pontos polêmicos e discorre sobre os requisitos para o acesso ao BPC de forma magistral.
 
Trata-se de um caso de pessoa com transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de drogas e outras substâncias psicoativas.

Na decisão abaixo são enfrentados temas importantíssimos para a prática dos Benefícios de Prestação Continuada, como as discussões acerca do critério econômico, a questão do equívoco do uso da incapacidade laboral para análise do direito ao BPC e o conceito de deficiência adotado pela legislação. A decisão é impecável em afastar os temas de incapacidade para o trabalho como critério de concessão do benefício, evitando reiteradas confusões já vistas em nossos Tribunais.
 
Leia a decisão abaixo e tenha uma verdadeira aula sobre o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social.

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA MANTIDA. 1 – Desnecessária a produção de nova perícia porque o laudo médico foi feito por profissional habilitado, bem como sua conclusão baseou-se em exames físicos. Ademais, o laudo pericial conclusivo e fundamentado, não havendo qualquer contrariedade ou dúvida. Não houve prejuízo às partes capaz de ensejar a nulidade do feito, não havendo cerceamento de defesa. 2 – O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam. 3 – A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais – idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos – e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família. 4 – O Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741, de 01.10.2003 – reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos – art. 34. 5 – O art. 20 da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão “pessoa com deficiência” e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso. 6 – Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. 7 – O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF. 8 – A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência. 9 – Nesse sentido o entendimento do STJ – REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190. 10 – A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013. 11 – A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social. 12 – A estipulação de que o salário mínimo é uma garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição. 13 – Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais. 14 – A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar. 15 – Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe. 16 – A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia. 17 – A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal. 18 – A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salário mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício. 19 – O laudo médico-pericial feito em 22.03.2016, às fls. 93/100, complementado em 10.01.2017, às fls. 123/127, atesta que o autor é portador de “Transtorno mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substância psicoativas – outros transtornos mentais ou comportamentais”, e conclui que “existe a incapacidade laborativa total e permanente”. Em resposta aos quesitos, o perito relata que o autor NÃO teria condições de concorrer a cargo para exercer atividade laborativa em igualdade de condições com outras pessoas. 20 – O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida independente não eram definidores da deficiência. 21 – Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. 22 – O que define a deficiência é a presença de “impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 20, § 2º, da LOAS). 23 – As patologias apontadas pelo perito se ajustam ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II. 24 – O estudo social feito em 16.06.2015, às fls. 71/75, dá conta de que o autor reside com a companheira, Sra. Elaine Laroca da Silva, de 35, e o filho Jefferson Carlos da Silva, de 15, em imóvel que pertence à mãe do autor, contendo quatro cômodos, sem forro e o piso está no contra piso. As despesas fixas da família são: água R$ 13,85; energia elétrica R$ 54,51; gás R$ 58,00. Os remédios de que o casal necessita são retirados na farmácia do Município. A família recebia uma cesta básica da Igreja Congregação Cristã do Brasil, no entanto, faz dois meses que não recebe esse auxílio. A família conta com a ajuda da mãe do autor para arcar com as despesas, uma vez que a renda advém do Benefício Bolsa Família que o autor recebe, no valor de R$ 114,00 (cento e catorze reais) mensais, e do trabalho deste uma vez por semana em uma gráfica, recebendo R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por dia de trabalho. 25 – A consulta ao CNIS indica que a companheira e o filho não têm vínculo de trabalho. 26 – Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não se justifica o indeferimento do benefício. 27 – A situação é precária e de miserabilidade, dependendo o autor do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal. 28 – As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos. 29 – A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017. 30 – Preliminar rejeitada. Apelação provida em parte. Mantida a tutela concedida na sentença. (TRF-3 – Ap: 00297890520174039999 SP, Relator: JUIZ CONVOCADO OTAVIO PORT, Data de Julgamento: 23/05/2018, NONA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2018)

O que achou dessas decisões? Gostou? Conhece alguma decisão digna de ser compartilhada? Mande para nós, e vamos colocar em nosso grupo de decisões incríveis que merecem ser compartilhadas.
 
Essas e muitas outras decisões incríveis você encontra no meu Material BPC | LOAS, clique aqui para saber mais.
 
Rodrigo Telles BPC LOAS

Rodrigo Telles

Advogado, professor e apaixonado por BPC LOAS.

ebook_BPC LOAS

Ebook BPC LOAS Descomplicado

Todos os aspectos práticos da advocacia assistencial na palma da sua mão.

Youtube BPC LOAS

BPC LOAS no YOUTUBE

Saiba tudo sobre o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social BPC LOAS. Conteúdos voltados para a advocacia assistencial

Social Media

Novos Artigos

Assine agora a nossa Newsletter

Não mandaremos Spam, somente informações relevantes sobre BPC LOAS

Nosso Whatsapp

Outros Artigos

Quer saber se você tem direito?
A Telles Advocacia pode te ajudar!

Converse com um especialista em BPC LOAS e tire todas as suas dúvidas.

Baixe nosso eBook

Com um conteúdo inédito, o Manual do BPC | LOAS trata da matéria assistencial de forma humanizada, viabilizando a ampliação da visão do leitor acerca do benefício.

Nossos Artigos

Artigos Recentes

BPC LOAS e o CADÚNICO

  Para a concessão e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC LOAS) é necessário estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico). Desse modo, além dos

BPC LOAS e a pessoa em condição de rua

Nos últimos posts falamos sobre a possibilidade de pessoas estrangeiras e pessoas em condição de internação receberem o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social.

Conheça tudo sobre BPC LOAS em nosso
Canal no Youtube