Idosos e Pessoas com Deficiência em situação de miserabilidade: o dever alimentar é da família ou do Estado? Boa pergunta, não é mesmo? Afinal, a responsabilidade é dos familiares ou do Estado? Quando é de um e quando é de outro? É o que veremos neste post.
Quem trabalha com BPC LOAS com certeza já viu alguma situação de indeferimento sob a justificativa de que “a família tem renda e deve sustentar o requerente”. E o que fazer nesses casos? Até que ponto a responsabilidade deixa de ser da família e passa a ser do Estado e vice-versa?
BPC LOAS: benefício de caráter alimentar
O BPC LOAS apresenta caráter alimentar, visto que seu objetivo é garantir o mínimo existencial para seus beneficiários. Idosos e pessoas com deficiência que recebem este benefício assistencial devem comprovar não possuir renda.
Este critério econômico é analisado a partir da renda familiar. Nesse sentido, a família também deve mostrar a escassez de recursos financeiros. Mas qual é o limite disso?
Sabemos que o idoso e a pessoa com deficiência devem ser amparados, tanto é que a Constituição Federal de 1988 assim prevê:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Para entender a questão da responsabilidade da família e do Estado perante situações de vulnerabilidade, precisamos saber exatamente qual é o dever do Estado e qual é o dever familiar. Vamos lá?
DEVER DO ESTADO x DEVER FAMILIAR
O artigo 1.694 do Código Civil determina que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. Isso demonstra o dever alimentar dos familiares. Porém, esse dever precisa ser compatível com as necessidades de quem solicita em relação às condições financeiras da pessoa que tem essa obrigação, conforme prevê o § 1º do artigo mencionado.
E quando os familiares têm a obrigação dos alimentos? A resposta está no seguinte artigo do Código Civil:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Da leitura do supramencionado artigo, não fica a sensação de que estamos falando do público que pode receber BPC LOAS? Seria então o dever da família e não do Estado? Se assim o fosse, não teríamos que falar em benefício assistencial, correto?
Por outro lado, sobre a proteção constitucional do Estado em relação à família, o artigo 226 da Carta Maior estabelece que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Além disso, no âmbito da assistência social, no qual pertence o BPC LOAS, o artigo 1º da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93) menciona expressamente o dever do Estado. Vejamos:
Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Destaca-se ainda o artigo 1.698, também do Código Civil:
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
A família deve sim amapar, mas isso não necessariamente vai tirar a pessoa da extrema pobreza. Desse modo, a pessoa pode receber ajuda de parentes e ainda sim ter direito ao BPC LOAS.
Imagine só uma criança com deficiência que recebe pensão alimentícia do pai. A figura paterna cumpre sua obrigação de pagar alimentos ao filho, porém o valor é insuficiente para garantir o sustento digno da criança, pois a mãe não trabalha para se dedicar exclusivamente à criança, por exemplo. Essa criança poderá sim receber o BPC LOAS.
Sobre isso veja a previsão da Portaria Conjunta nº 3, de 21 de setembro de 2018:
Art. 8º Na fase de requerimento, as informações do CadÚnico serão utilizadas para registro da composição do grupo familiar e da renda mensal bruta familiar, conforme disposto no Decreto nº 6.214, de 2007, obedecendo aos seguintes procedimentos:
[…]
III – a renda familiar per capita será calculada utilizando as informações do CadÚnico bem como dados de outros registros administrativos, quando necessário, observando-se que:
[…]
d) o recebimento de pensão alimentícia não impede o recebimento do BPC, desde que observado o critério de renda per capita mensal bruta familiar;
De todo o exposto, quanto à obrigação familiar, devemos sempre pensar no binômio necessidade x possibilidade, e somente então concluir se nossos clientes de fato possuem direito ao BPC LOAS.
Professor Rodrigo Telles.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal nº 1988, de 05 de outubro de 1988. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 maio 2021.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre o benefício de prestação continuada […]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.. . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 18 maio 2021.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Portaria Conjunta nº 3, de 21 de setembro de 2018. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social, 24 set. 2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/41971503/do1-2018-09-24-portaria-conjunta-n-3-de-21-de-setembro-de-2018-41971236.