BPC

Laudo socioeconômico desfavorável para a concessão do BPC LOAS

Nos casos de Benefício de Prestação Continuada nosso objetivo como defensores dos direitos dos nossos clientes é comprovar os requisitos de acesso ao benefício, que são: idade avançada ou deficiência e a condição de miserabilidade. Sobre este último, demonstramos as receitas e despesas do requerente, juntamos toda a documentação probatória da situação de miserabilidade, mas sabemos que o laudo socioeconômico conta muito para a decisão final do processo.
 
E como tem sido sua experiência com esses laudos socioeconômicos elaborados por assistentes sociais, tanto no âmbito administrativo quanto judicial? Se você atua em casos de BPC LOAS, é muito provável que já tenha se deparado com laudos socioeconômicos desfavoráveis com argumentos como “possui eletrodomésticos”, “tem TV de tela plana”, “a moradia encontra-se em boas condições”, entre tantos outros absurdos, não é mesmo?
 
Tenho certeza que não é difícil se lembrar de um caso semelhante. Infelizmente, a renda mensal familiar inferior a ¼ do salário mínimo como critério econômico para acesso ao Benefício de Prestação Continuada é interpretado, na maioria dos casos, como ZERO condição de sobrevivência.
 
A situação de vulnerabilidade social devido a falta de recursos para manutenção da necessidades básicas do ser humano não deveria ser condenada à este tipo de visão. Eletrodomésticos, imóvel conservado, piso de cerâmica, e outras características materiais, não podem ser fatores determinantes para concluir se aquele indivíduo precisa ou não do apoio da Assistência Social.
 
Sempre que penso sobre esse assunto eu fico me perguntando: será que você, advogado previdenciarista e assistencial, fica indignado com um laudo desse mas não se manifesta a respeito?
 
Para enfrentarmos questão, precisamos entender os três pontos a seguir.
 
 
1 – CRITÉRIO ECONÔMICO EXIGIDO PARA ACESSO AO BPC
 
Para falarmos sobre a perícia social e o laudo socioeconômico nos casos de BPC LOAS, é necessário saber claramente qual é o critério exigido para acesso ao benefício. Além da idade avançada (65 anos ou mais) ou a deficiência, o Benefício de Prestação Continuada exige a comprovação da miserabilidade.
 
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei 8.742/93 – estabelece que a miserabilidade é verificada nos casos em que a renda mensal familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Apesar da polêmica em torno da estipulação desse limite, esse é o parâmetro utilizado atualmente para avaliação do direito ao benefício.
 
A legislação infraconstitucional determina a renda como indicador da condição financeira do indivíduo e do grupo familiar, mas no Judiciário, quando o cálculo da renda mensal familiar per capita ultrapassa o limite de ¼ do salário mínimo, admite-se a comprovação da miserabilidade por outros meios de prova.
 
Essa comprovação por outros meios de prova possibilita a análise de outros fatores da vida do indivíduo, como a observação das despesas, por exemplo. A verdade é que uma série de fatores influenciam a condição financeira do indivíduo para que o mesmo se encontre em situação de miserabilidade. Ocorre que a simples informação de que o periciado possui eletrodomésticos, por exemplo, não é suficiente para afirmar que esta pessoa vivencia a miserabilidade.
 
Alguns dias atrás estava lendo uma sentença que indeferiu o pedido do BPC por não atender o requisito de miserabilidade e me deparei com a seguinte frase “não se pode confundir simplicidade com miserabilidade.” A questão a ser levada em consideração é se no momento do pedido o requerente possui ou não condições de prover o próprio sustento ou tê-lo provido por sua família. O que não pode acontecer é submeter uma condição tão complexa a uma simples constatação. O problema aqui é a mentalidade de que para necessitar da Assistência Social é preciso ter ABSOLUTAMENTE NADA.
 
Lembrando sempre que, tudo que discutimos aqui é em torno de uma visão justa e realista do critério econômico exigido pelo BPC. É claro que existem requerentes que não cumprem este critério. A questão levantada aqui é a motivação superficial de algumas decisões.
 
 
2 – CRITÉRIOS OBSERVADOS NA AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA
 
Outro ponto importante é o laudo socioeconômico em si. Devemos entender todos fatores levados em consideração no momento da perícia e pensar na perícia social como a análise de um conjunto de fatores.
 
De modo geral, o assistente social observará:
  • Dados pessoais do requerente (nome, idade, gênero, grau de escolaridade, estado civil, etc)
  • Composição do grupo familiar (membros do grupo familiar e dados pessoais de cada um deles)
  • Histórico e contexto (relatos da história de vida da parte autora, inclui: vida laboral, histórico de saúde, contexto familiar, realidade vivenciada pelo indivíduo, etc)
  • Moradia (infraestrutura e condições gerais de habitabilidade, se há outras famílias morando no mesmo local, condições de acessibilidade da região, etc)
  • Renda (receitas e despesas do grupo familiar, quais os meios de sobrevivência do periciado, etc)
 
Com todas essas informações, os assistentes sociais finalizam o laudo socioeconômico com uma conclusão contendo suas considerações acerca do caso. Importante lembrar ainda que o laudo conta ainda com a resposta aos quesitos do juízo, do INSS e do requerente.
 
Todos esses fatores são analisados para verificar se o periciado se enquadra ou não no requisito da condição de miserabilidade. Desse modo, justificar o indeferimento do benefício por conta de características como “eletrodomésticos”, “TV de tela plana”, “moradia em boas condições”, etc, é sem dúvida um equívoco. Está claro que a condição de miserabilidade é resultado de uma série de fatores.
 
 
3 – VEDAÇÃO DA COMPROVAÇÃO VEXATÓRIA DE NECESSIDADE
 
Esse terceiro ponto, na minha opinião o mais importante, é pouco explorado por nós advogados. Para provar isso me diga: você já ouviu falar sobre vedação de comprovação vexatória de necessidade? Se já ouviu falar ou conhece, por acaso já usou isso como argumentação?
 
A vedação da comprovação vexatória de necessidade está previsto no artigo 4º da LOAS, que trata dos princípios da Assistência Social, mais especificamente no inciso III, vejamos:
 
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
[…]
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; (grifo nosso)
 
Durante meus anos lecionando em todo o território nacional, escutei meu alunos se queixarem sobre laudos desfavoráveis que apresentavam argumentos como:
 
  • “imóvel com bom padrão”;
  • “possui eletrodomésticos”;
  • “tem TV de tela plana”;
  • “a moradia encontra-se em boas condições”;
  • “imóvel encontra-se guarnecido por sofá, mesa, cadeiras, aparelho de TV, todos em bom estado de conservação”;
  • “a casa tem piso de cerâmica”;
  • “imóvel de fácil acesso”;
  • “rua pavimentada”;
  • “construção em alvenaria”;
 
Obs. todos os itens acima foram extraídos de decisões verídicas, que utilizaram esses argumentos para o indeferimento do BPC.
 
Usar argumentos como os apontados aqui é rebaixar a conquista do cidadão, que para fazer jus à proteção social precisaria ter passado uma vida inteira na extrema miséria. Pensamento um tanto quanto contraditório para uma sociedade que incentiva o consumo.
 
A partir disso, dessas informações podemos concluir que tais argumentos são um verdadeiro desrespeito ao princípio indicado no artigo 4º, inciso III, da LOAS. Relembramos: “respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade”.
 
Um advogado poderia, caro leitor, encontrar uma saída ou simplesmente ignorar um laudo como esse. Mas eu sei que você, depois de ler este post irá lutar contra esse tipo de injustiça.
Rodrigo Telles BPC LOAS

Rodrigo Telles

Advogado, professor e apaixonado por BPC LOAS.

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