BPC LOAS e a pessoa em condição de rua

Nos últimos posts falamos sobre a possibilidade de pessoas estrangeiras e pessoas em condição de internação receberem o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social. No post de hoje vamos falar sobre as pessoas que vivem em condição de rua. Elas também podem receber o benefício? Apesar da Lei 8.742 de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social, não abordar expressamente essa questão, o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada (RBPC) prevê: Art. 13. […] § 6º Quando o requerente for pessoa em situação de rua deve ser adotado, como referência, o endereço do serviço da rede sócioassistencial pelo qual esteja sendo acompanhado, ou, na falta deste, de pessoas com as quais mantém relação de proximidade. Observa-se que não há uma previsão legal que determine se a pessoa em condição de rua pode ou não receber o Benefício de Prestação Continuada, porém ao fazer referência à pessoa em condição de rua (“quando o requerente for pessoa em situação de rua”…), o § 6º do artigo 13 do RBPC confirma essa possibilidade. Desse modo, a condição de rua não interfere nem impede o recebimento do BPC. Ainda sobre os casos de requerentes do BPC em situação de rua, o artigo 13 do RBPC determina ainda: Art. 13. As informações para o cálculo da renda familiar mensal per capita serão declaradas no momento da inscrição da família do requerente no CadÚnico, ficando o declarante sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração falsa. […] § 7º Será considerado família do requerente em situação de rua as pessoas elencadas no inciso V do art. 4º, desde que convivam com o requerente na mesma situação, devendo, neste caso, ser relacionadas na Declaração da Composição e Renda Familiar. § 8º Entende-se por relação de proximidade, para fins do disposto no § 6º, aquela que se estabelece entre o requerente em situação de rua e as pessoas indicadas pelo próprio requerente como pertencentes ao seu ciclo de convívio que podem facilmente localizá-lo. Assim, nos casos de BPC em que o requerente idoso ou com deficiência viva na rua, será considerado família para fins de cálculo da renda mensal per capita quem viver na mesma condição, ou seja, que viva também em situação de rua. Vale destacar ainda que, nesses casos, para facilitar o contato com o requerente e também localizá-lo para realização de perícia socioeconômica, por exemplo, é necessário eleger o endereço do serviço socioassistencial que o acompanha e, na ausência deste, o endereço de quem mantiver relação de proximidade com o mesmo. No meu Material BPC | LOAS você encontra modelos de petições para requerentes do BPC em condição de rua e muitos outros casos. Clique aqui para saber mais. Referências: BRASIL. Lei nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamento do Benefício de Prestação Continuada. Brasília.
BPC para estrangeiros: é possível?

O Benefício de Prestação Continuada integra o sistema da Assistência Social do país e, de acordo com o artigo 203 da Constituição Federal, “a assistência social será prestada a quem dela necessitar”. Diante disso, podemos dizer que a pessoa estrangeira que necessitar pode requerer o benefício assistencial? O Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, Decreto 6.214 de 2007, trata do assunto no seu artigo 7º, vejamos: Art. 7º O Benefício de Prestação Continuada é devido ao brasileiro, nato ou naturalizado, e às pessoas de nacionalidade portuguesa, em consonância com o disposto no Decreto nº 7.999, de 8 de maio de 2013, desde que comprovem, em qualquer dos casos, residência no Brasil e atendam a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. Isso significa dizer que estrangeiros de outra nacionalidade que não seja a portuguesa não têm direito de requerer o Benefício de Prestação Continuada? Em 2017 o tema foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do RE 587970: ASSISTÊNCIA SOCIAL. ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS. ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais. (RE 587970, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-215 DIVULG 21-09-2017 PUBLIC 22-09-2017) (STF – RE: 587970 SP – SÃO PAULO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 20/04/2017, Tribunal Pleno) A partir disso, ficou estabelecido o Tema 173 do STF que determina a “concessão de benefício assistencial a estrangeiros residentes no Brasil”. Portanto, estrangeiros com deficiência ou com idade igual ou superior a 65 anos, residentes no Brasil e que vivam em condição de miserabilidade podem receber o Benefício de Prestação Continuada. Esse e muitos outros temas sobre o Benefício de Prestação Continuada você encontra no meu livro Manual do BPC. Clique aqui para mais informações. Professor Rodrigo Telles Referências: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. BRASIL. Lei nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamento do Benefício de Prestação Continuada. Brasília. TELLES, Rodrigo. Manual do BPC: Benefício de Prestação Continuada | LOAS. São Paulo: edição do autor, 2020.
BPC e a impossibilidade transmissão para dependentes

É comum que os beneficiários, e até mesmo os advogados que atuam na área, tenham dúvidas a respeito da possibilidade de transmissão do Benefício de Prestação Continuada para os dependentes. A morte do beneficiário do BPC gera pensão por morte? Como já vimos aqui no blog, o Benefício de Prestação Continuada possui caráter assistencial e é devido à pessoa idosa e à Pessoa com Deficiência que esteja em estado de vulnerabilidade social, conforme dispõe o artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (grifo nosso) A questão é: o benefício de que trata o caput do supracitado artigo 20 da LOAS, qual seja, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, possibilita a transmissão para os dependentes do beneficiário após a morte do mesmo? A resposta é não. O Benefício de Prestação Continuada é intransmissível. Logo, não existe possibilidade de transmissão do BPC para herdeiros ou sucessores do beneficiário. A disponibilidade do BPC é devida somente enquanto o beneficiário gozar de vitalidade. Assim, o falecimento do beneficiário enseja a extinção do BPC. Tal fato se deve ao caráter personalíssimo do Benefício de Prestação Continuada, tendo em vista que o mesmo é destinado à idosos e pessoas com deficiência, a fim de garantir os mínimos existenciais aos beneficiários, possibilitando acesso aos direitos básicos para uma sobrevivência digna. O Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, Decreto 6.214, disciplina a matéria em comento, vejamos: Art. 23. O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores. Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil. (grifo nosso) Vejamos que o parágrafo único do artigo 23 do RBPC menciona a possibilidade de pagamento de valores residuais aos herdeiros ou sucessores. Esses valores são referentes a quantia não recebida em vida pelo beneficiário, mas que era direito deste. Sobre isso vejamos uma decisão do TRF3: ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FALECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. DIREITO DOS HERDEIROS ÀS PARCELAS VENCIDAS. 1. Embora o benefício requerido pelo tenha, de fato, caráter personalíssimo e seja, portanto, intransmissível aos sucessores, é possível a habilitação dos herdeiros, nos termos do artigo 112 da Lei nº 8.213/91, nos casos em que, reconhecida a procedência de pedido, haja direito a prestações vencidas. 2. A propósito, dispõe o artigo 23 do Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social:”Art. 23. O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores. Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil.” 3. Conquanto o óbito tenha ocorrido antes do julgamento definitivo da ação, a autora submeteu-se a perícia médica e estudo social, restando reconhecido, no acórdão transitado em julgado, os requisitos necessários à percepção do benefício. 4. Assim, não socorre a autarquia agravante a alegação de que o autor faleceu antes do trânsito em julgado, pois efetivamente proclamado, com base em perícia médica e estudo social, o direito ao benefício. 5. Frise-se que não se ignora o direito personalíssimo do benefício, reconhecendo-se, apenas, que as parcelas vencidas até a data da morte e não usufruídas são passíveis de serem transmitidas aos seus sucessores, nos termos da lei. 6. Recurso de apelação a que se nega provimento. (TRF-3 – AC: 00306996620164039999 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, Data de Julgamento: 06/03/2017, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e- DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2017) (grifo nosso) Mais informações sobre esse tema você encontra no meu livro Manual do BPC,clicando aqui. Professor Rodrigo Telles Referências: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. BRASIL. Lei nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamento do Benefício de Prestação Continuada. Brasília. BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília, 08 dez. 1993. ROMANO, Rogério Tadeu. Direito Personalíssimos. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75306/direitos-personalissimos. Acesso em: 14 maio 2020. THÉ, Thiago Sá Araújo. Da impossibilidade de transmissão aos herdeiros do direito ao benefício assistencial postulado em juízo. 2014. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42358/da-impossibilidade-de-transmissao-aos-herdeiros-do-direito-ao-beneficio-assistencial-postulado-em-juizo. Acesso em: 14 maio 2020.
Dicas para obter sucesso nos casos de BPC LOAS

Pensando no sucesso dos seus processos de Benefício de Prestação Continuada, separei algumas dicas essenciais à prática da advocacia assistencial. Para ter sucesso nos casos de BPC do seu escritório você deve estar atento(a) aos seguintes pontos: Benefício assistencial NÃO é benefício previdenciário Isso significa dizer que a análise do direito a esse benefício deve ser feita com base em legislação própria que em nada se parece com a legislação previdenciária do Regime Geral de Previdência Social, mesmo que o benefício seja administrado pelo INSS. O conceito de Deficiência é amplo. Estude-o de forma aprofundada A comprovação da deficiência é um dos critérios para acesso ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social. Para prestar um bom serviço ao seu cliente é necessário entender amplamente o conceito de deficiência e a sua comprovação que é feita pela CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) Um dos motivos de indeferimento do Benefício de Prestação Continuada é a não comprovação da deficiência. Geralmente as perícias são feitas de forma rápida e rasa, e não reconhecem a condição de deficiência muitas vezes flagrante aos olhos, e contornar essa situação demanda conhecimento sobre o tema por parte dos operadores do direito. O BPC para Pessoa com Deficiência tem como requisito a deficiência e não a incapacidade! Incapacidade para o trabalho é coisa de benefício de incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e de aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez). Nunca, de forma alguma, em hipótese nenhuma, para qualquer fim, o conceito jurídico de incapacidade para o trabalho pode ser usada para justificar o direito ou não ao Benefício de Prestação Continuada da Pessoa com Deficiência. Você conhece a Classificação de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)? O Decreto 6.214 no artigo 16 determina que: “A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001.” Logo, conhecer esse documento que comprova a deficiência nas funções e estruturas do corpo, analisa as atividades e participação, bem como observa os fatores ambientais e os fatores pessoais é de suma importância para a concessão do benefício. Você já se perguntou se pessoas com Esquizofrenia, Bipolaridade, Depressão, Ansiedade e Outros Transtornos Mentais têm direito a Benefícios de Prestação Continuada? A resposta pode ser sim! Você conhece a Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais 5ª Ed. (DSM-5)? O DSM-5 é um Manual com 22 capítulos que analisa todos os transtornos mentais diagnosticados de forma pormenorizada em suas 996 páginas. Quando associado a CIF e com a aplicação das regras da LOAS é possível o enquadramento Esquizofrenia, Bipolaridade, Depressão, Ansiedade e Outros Transtornos Mentais no requisito de deficiência exigido para acesso ao BPC. Analise o Benefício de Prestação Continuada sob a ótica biopsicossocial A análise feita de acordo com o modelo médico verifica somente o indivíduo e diz que o problema de saúde que lhe acomete é dele tão somente, e para tanto indica um diagnóstico para o distúrbio ou doença. O modelo social, por sua vez, analisa o problema de saúde de uma pessoa e presume que o problema é da sociedade. Logo, se um indivíduo não anda (é paraplégico), é responsabilidade da sociedade que não é adaptada para esse tipo de situação, e não é sua paraplegia o problema. Trata-se de uma ótica avançada de análise dos problemas de saúde do ser humano em relação ao ambiente. O modelo biopsicossocial é a junção dos dois modelos, permitindo uma ótica médica de tratamento para melhora do quadro de saúde do indivíduo e, ao mesmo tempo, de adaptação da sociedade para as limitações dessas pessoas. Esse é o modelo de análise feita no Benefício de Prestação de Continuada. Família para fins de análise do direito ao Benefício de Prestação Continuada Grupo familiar para fins de cálculo da renda mensal per capita para acesso ao BPC é composto pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. NINGUÉM além desses descritos. Frisa-se: somente entra no cálculo de renda se viver SOB O MESMO TETO. Renda mensal familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo denota presunção absoluta de miserabilidade No INSS a regra de análise do critério econômico e de miserabilidade é de ¼ de salário mínimo. Mas você sabia que na justiça esse critério não pode ser aplicado por ter sido declarado inconstitucional pelo STF no ano de 2013 no julgamento do RE 567.985? Assim, a concessão de Benefícios de Prestação Continuada no Judiciário é sempre mais benéfica do que no INSS, facilitando em muito a vida do advogado que presta serviço nesse ramo do direito. No judiciário a condição de miserabilidade deve ser feita caso a caso, uma vez que a análise é humanizada e não matemática. Vale lembrar que deve haver descontos dos gastos advindos da condição de deficiência e demais despesas com medicamentos não fornecidos pelo Estado.
Laudo socioeconômico desfavorável para a concessão do BPC LOAS

Nos casos de Benefício de Prestação Continuada nosso objetivo como defensores dos direitos dos nossos clientes é comprovar os requisitos de acesso ao benefício, que são: idade avançada ou deficiência e a condição de miserabilidade. Sobre este último, demonstramos as receitas e despesas do requerente, juntamos toda a documentação probatória da situação de miserabilidade, mas sabemos que o laudo socioeconômico conta muito para a decisão final do processo. E como tem sido sua experiência com esses laudos socioeconômicos elaborados por assistentes sociais, tanto no âmbito administrativo quanto judicial? Se você atua em casos de BPC LOAS, é muito provável que já tenha se deparado com laudos socioeconômicos desfavoráveis com argumentos como “possui eletrodomésticos”, “tem TV de tela plana”, “a moradia encontra-se em boas condições”, entre tantos outros absurdos, não é mesmo? Tenho certeza que não é difícil se lembrar de um caso semelhante. Infelizmente, a renda mensal familiar inferior a ¼ do salário mínimo como critério econômico para acesso ao Benefício de Prestação Continuada é interpretado, na maioria dos casos, como ZERO condição de sobrevivência. A situação de vulnerabilidade social devido a falta de recursos para manutenção da necessidades básicas do ser humano não deveria ser condenada à este tipo de visão. Eletrodomésticos, imóvel conservado, piso de cerâmica, e outras características materiais, não podem ser fatores determinantes para concluir se aquele indivíduo precisa ou não do apoio da Assistência Social. Sempre que penso sobre esse assunto eu fico me perguntando: será que você, advogado previdenciarista e assistencial, fica indignado com um laudo desse mas não se manifesta a respeito? Para enfrentarmos questão, precisamos entender os três pontos a seguir. 1 – CRITÉRIO ECONÔMICO EXIGIDO PARA ACESSO AO BPC Para falarmos sobre a perícia social e o laudo socioeconômico nos casos de BPC LOAS, é necessário saber claramente qual é o critério exigido para acesso ao benefício. Além da idade avançada (65 anos ou mais) ou a deficiência, o Benefício de Prestação Continuada exige a comprovação da miserabilidade. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei 8.742/93 – estabelece que a miserabilidade é verificada nos casos em que a renda mensal familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. Apesar da polêmica em torno da estipulação desse limite, esse é o parâmetro utilizado atualmente para avaliação do direito ao benefício. A legislação infraconstitucional determina a renda como indicador da condição financeira do indivíduo e do grupo familiar, mas no Judiciário, quando o cálculo da renda mensal familiar per capita ultrapassa o limite de ¼ do salário mínimo, admite-se a comprovação da miserabilidade por outros meios de prova. Essa comprovação por outros meios de prova possibilita a análise de outros fatores da vida do indivíduo, como a observação das despesas, por exemplo. A verdade é que uma série de fatores influenciam a condição financeira do indivíduo para que o mesmo se encontre em situação de miserabilidade. Ocorre que a simples informação de que o periciado possui eletrodomésticos, por exemplo, não é suficiente para afirmar que esta pessoa vivencia a miserabilidade. Alguns dias atrás estava lendo uma sentença que indeferiu o pedido do BPC por não atender o requisito de miserabilidade e me deparei com a seguinte frase “não se pode confundir simplicidade com miserabilidade.” A questão a ser levada em consideração é se no momento do pedido o requerente possui ou não condições de prover o próprio sustento ou tê-lo provido por sua família. O que não pode acontecer é submeter uma condição tão complexa a uma simples constatação. O problema aqui é a mentalidade de que para necessitar da Assistência Social é preciso ter ABSOLUTAMENTE NADA. Lembrando sempre que, tudo que discutimos aqui é em torno de uma visão justa e realista do critério econômico exigido pelo BPC. É claro que existem requerentes que não cumprem este critério. A questão levantada aqui é a motivação superficial de algumas decisões. 2 – CRITÉRIOS OBSERVADOS NA AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA Outro ponto importante é o laudo socioeconômico em si. Devemos entender todos fatores levados em consideração no momento da perícia e pensar na perícia social como a análise de um conjunto de fatores. De modo geral, o assistente social observará: Dados pessoais do requerente (nome, idade, gênero, grau de escolaridade, estado civil, etc) Composição do grupo familiar (membros do grupo familiar e dados pessoais de cada um deles) Histórico e contexto (relatos da história de vida da parte autora, inclui: vida laboral, histórico de saúde, contexto familiar, realidade vivenciada pelo indivíduo, etc) Moradia (infraestrutura e condições gerais de habitabilidade, se há outras famílias morando no mesmo local, condições de acessibilidade da região, etc) Renda (receitas e despesas do grupo familiar, quais os meios de sobrevivência do periciado, etc) Com todas essas informações, os assistentes sociais finalizam o laudo socioeconômico com uma conclusão contendo suas considerações acerca do caso. Importante lembrar ainda que o laudo conta ainda com a resposta aos quesitos do juízo, do INSS e do requerente. Todos esses fatores são analisados para verificar se o periciado se enquadra ou não no requisito da condição de miserabilidade. Desse modo, justificar o indeferimento do benefício por conta de características como “eletrodomésticos”, “TV de tela plana”, “moradia em boas condições”, etc, é sem dúvida um equívoco. Está claro que a condição de miserabilidade é resultado de uma série de fatores. 3 – VEDAÇÃO DA COMPROVAÇÃO VEXATÓRIA DE NECESSIDADE Esse terceiro ponto, na minha opinião o mais importante, é pouco explorado por nós advogados. Para provar isso me diga: você já ouviu falar sobre vedação de comprovação vexatória de necessidade? Se já ouviu falar ou conhece, por acaso já usou isso como argumentação? A vedação da comprovação vexatória de necessidade está previsto no artigo 4º da LOAS, que trata dos princípios da Assistência Social, mais especificamente no inciso III, vejamos: Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: […] III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e
O uso da CIF em processos de BPC: como isso acontece?

A CIF e o Benefício de Prestação Continuada, qual a relação? De que maneira esse documento pode beneficiar os requerentes do BPC? É possível o uso da CIF nos processos de BPC? O uso da CIF na sua advocacia é de fato vantajoso? Neste post você vai entender como essa ferramenta pode auxiliar o trabalho de advogados nos casos de Benefício de Prestação Continuada. Para quem ainda não conhece, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é uma ferramenta elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de um sistema alfanumérico para codificação do estado de saúde através de um modelo multidimensional e multidisciplinar. O modelo apresentado pela CIF, denominado modelo biopsicossocial, engloba fatores ambientais, fatores pessoais, atividades e participação e funções e estruturas do corpo. A interação entre esses componentes possibilita uma análise ampla e aprofundada da real condição de saúde do indivíduo. Mas qual é a relação entre a CIF e os Benefícios de Prestação Continuada? A utilização da CIF nos casos de Benefícios de Prestação Continuada tem como finalidade o uso de uma linguagem padronizada para verificação da funcionalidade humana levando em consideração fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados à saúde do indivíduo. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência prevê que a “avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar” (Art. 2º, § 1º). Diante disso, a CIF é a ferramenta ideal para realização da avaliação do indivíduo para verificar a existência de deficiência para fins de acesso ao Benefício de Prestação Continuada. A relação entre a CIF e o BPC foi evidenciada pelo artigo 16 do Regulamento do Benefício de Prestação Continuada. Vejamos: Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. Conhecer e saber utilizar a CIF significa olhar para a deficiência de um modo muito mais amplo, considerando fatores ambientais e pessoais que influenciam diretamente na condição de saúde do indivíduo. Essa visão pode auxiliar na comprovação dos requisitos exigidos para acesso ao BPC e garantir o benefício do seu cliente. Embora pareça mais usual nos Benefícios de Prestação Continuada para a Pessoa com Deficiência, nada impede que a CIF seja usada também nos benefícios destinados a idosos. Além disso, a CIF pode ser utilizada para análise de outros benefícios, como a aposentadoria da pessoa com deficiência e benefícios por incapacidade, por exemplo. Não sabe usar a CIF? Quer conhecer mais sobre a ferramenta e sua aplicabilidade nos processos de BPC? Conheça meu livro Manual do BPC clicando aqui. Professor Rodrigo Telles Referências: BRASIL. Lei nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamento do Benefício de Prestação Continuada. Brasília.