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BPC e o conceito de Pessoa com Deficiência: Convenção de NY x legislação brasileira

O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social é devido a idosos e Pessoas com Deficiência (PcD) que comprovarem não possuir meios de prover o próprio sustento nem tê-lo provido pelos familiares. No primeiro caso, para recebimento do BPC LOAS é considerado idoso a pessoa com 65 anos ou mais. Mas e nos casos de BPC para PcD, quem é considerado Pessoa com Deficiência? Qual é o conceito de deficiência utilizado?
 
O Benefício Assistencial de Prestação Continuada possui previsão constitucional no artigo 203, inciso V, que diz:
 
 
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[…]
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
 
 
Conforme vimos, a Constituição Federal de 1988 prevê o pagamento mensal de um salário mínimo para Pessoas com Deficiência em situação de vulnerabilidade, mas não define o que é deficiência, ficando tal tarefa para as leis infraconstitucionais.
 
Cinco anos mais tarde entrou em vigor a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), cuja redação original do § 2º do artigo 20, que trata do Benefício de Prestação Continuada, estabelecia que “para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”. Logo, os primeiros anos do BPC foram operacionalizados com essa definição de deficiência.
 
Em 2011, a LOAS sofreu novas alterações para adequar-se ao conceito de deficiência estabelecido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
 
Assinada no dia 30 de março de 2007, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, também conhecida como Convenção de Nova York, foi um marco para o conceito de deficiência, pois evidenciou a influência do meio externo na condição de deficiência.
 
A Convenção de Nova York reconheceu que o conceito de deficiência está em constante evolução e definiu a deficiência da seguinte maneira:
 
 
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
 
 
Em 2008 o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Conforme disposição do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, a Convenção de Nova York entrou para o nosso ordenamento jurídico com status de Emenda Constitucional. No dia 25 de agosto de 2009, entrou em vigor o Decreto nº 6.949, que “promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo”.
 
Com redação dada pela Lei nº 13.146 de 2015, atualmente a Lei Orgânica da Assistência Social define a deficiência de acordo com os termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
 
 
Art. 20. § 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
 
 
Ocorre que o texto original da Convenção de Nova York, em inglês, apresenta o conceito de deficiência da seguinte forma: “Persons with disabilities include those who have long-term physical, mental, intellectual or sensory impairments which in interaction with various barriers may hinder their full and effective participation in society on an equal basis with others.”
 
Em tradução livre: Pessoas com Incapacidade incluem aquelas que têm deficiências de longo prazo de natureza física, mental, intelectual e sensorial que em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
 
 
 
Três pontos são importantes observar na redação original da Convenção:
 
 
A Convenção usa o termo “include”, mas a tradução para o português utilizada na legislação brasileira ignora essa palavra.
 
A definição de deficiência da Convenção não coloca um prazo mínimo para o impedimento de longo prazo, como faz a LOAS (Lei 8.742/93) ao determinar que é considerado de longo prazo o impedimento com duração mínima de 2 anos.
 
Há uma confusão entre os termos “disability” e “impairment”, incapacidade e deficiência, respectivamente. Esses dois termos são facilmente confundidos no momento de tradução.
 
 
Depois desses apontamentos, válido rever o conceito de deficiência utilizado pelo ordenamento jurídico brasileiro:
 
 
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
 
 
Pela tradução brasileira acima, percebemos que a definição utilizada é restritiva em relação ao conceito apresentado pela Convenção de Nova York. Destaca-se aqui que a intenção da Convenção nunca foi restringir e sim incluir. A deficiência deve ser vista como um conceito amplo.
 
Mas qual é o impacto disso no reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada?
 
O impacto é gigantesco! O Benefício de Prestação Continuada para Pessoas com Deficiência exige a comprovação de dois requisitos: a existência de deficiência e a condição de miserabilidade. A comprovação da deficiência depende exclusivamente do conceito de deficiência. E quando vemos que a definição prevista em lei é restritiva, estamos falando da exclusão de inúmeras pessoas que deixam de receber o benefício por não se enquadrarem no conceito de deficiência.
 
Nesse sentido, esse equívoco representa um número significativo de indeferimentos de benefícios de assistidos que, embora tenham deficiência, não se encaixam no conceito legal aqui enfrentado e ficam à margem da sociedade, vivenciando a extrema pobreza e seguem lançados em um verdadeiro limbo assistencial.
 
Lembra de algum caso que seu cliente não se enquadrou no conceito de deficiência?
 


Referências:
 
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988.
 
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 27 de Agosto de 2009. Dispõe sobre os direitos das pessoas com deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm
 
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de Dezembro de 1993. Dispõe sobre o benefício de prestação continuada […]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742compilado.htm
Rodrigo Telles BPC LOAS

Rodrigo Telles

Advogado, professor e apaixonado por BPC LOAS.

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